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A identidade de gênero nas Forças Armadas: STJ fixa teses importantes para militares transgêneros (IAC 20)

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    Postulandi Petições
  • 25 de nov.
  • 4 min de leitura

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 2.133.602/RJ sob o rito do Incidente de Assunção de Competência (IAC 20), enfrentou uma das questões mais relevantes e sensíveis do Direito Administrativo Militar contemporâneo: os efeitos jurídicos da retificação do prenome e da classificação de gênero de militares transgêneros dentro das Forças Armadas.


O Tribunal fixou três teses centrais, que redefinem o tratamento jurídico dessa população no âmbito castrense:


  1. É devido o uso do nome social e a atualização de todos os assentamentos funcionais para refletir a identidade de gênero do militar;

  2. É vedada a reforma ou o desligamento com fundamento exclusivo no fato de o militar trans ter ingressado por vaga originalmente destinada ao sexo/gênero oposto;

  3. A condição de pessoa transgênero não configura incapacidade ou doença e, portanto, não pode justificar reforma compulsória ou licenciamento ex officio.


A seguir, analisamos a decisão em profundidade.

1. O contexto social e jurídico: a urgência de proteção a direitos fundamentais


O STJ inicia seu julgamento reconhecendo expressamente o cenário de discriminação estrutural, violência e exclusão que atinge a população trans no Brasil. Dados da ANTRA mostram que, somente em 2024, foram identificados 122 assassinatos de pessoas trans. O país segue, há 16 anos, como o mais violento do mundo para essa população.


Essa realidade reflete também o ambiente militar, marcado historicamente por resistência institucional ao reconhecimento da identidade de gênero de seus integrantes, chegando até a processos de reforma compulsória indevida.


À luz desse contexto, a controvérsia não poderia ser tratada como mero debate técnico-administrativo, mas como um caso de efetivação de direitos humanos fundamentais previstos:


  • na Constituição Federal (arts. 1º, III, e 3º, IV),

  • na Convenção Americana de Direitos Humanos,

  • na jurisprudência da Corte Interamericana (OC-24/2017),

  • e nos Princípios de Yogyakarta.


2. Identidade de gênero e dignidade da pessoa humana


Para o STJ, a identidade de gênero integra diretamente a dignidade da pessoa humana. Assim, todas as autoridades militares têm o dever de ajustar os registros funcionais para refletir:


  • o nome social,

  • o gênero autopercebido,

  • e a identidade oficialmente reconhecida no registro civil.


O Decreto nº 8.727/2016, que regulamenta o uso do nome social na Administração Pública Federal, reforça esse dever.


Qualquer resistência institucional viola:


  • a Constituição Federal,

  • a Convenção Americana,

  • e o princípio da igualdade.


3. Atualização de assentamentos funcionais: dever jurídico das Forças Armadas


Com a retificação civil do prenome e do gênero, é obrigatória a atualização de:


  • ficha funcional,

  • cadastro interno,

  • documentos oficiais,

  • comunicações hierárquicas,

  • atos administrativos,

  • e quaisquer registros internos.


Não há justificativa válida para manter, no âmbito das Forças Armadas, identificação diversa daquela oficialmente reconhecida.

4. Vedação de reforma ou desligamento por identidade de gênero


O STJ afastou expressamente a tese de que o militar trans deveria ser reformado compulsoriamente ou desligado por ter ingressado:


  • em vaga originalmente destinada ao sexo/gênero oposto.

Tal entendimento configura ato discriminatório, incompatível com:

  • a Constituição,

  • a CADH,

  • a OC-24/17 da Corte IDH,

  • e a jurisprudência do STF (ADI 4.275 e Tema 761).


Assim, a permanência na ativa é garantida, sendo vedada qualquer medida de afastamento fundada exclusivamente na identidade de gênero.


5. A condição de transgênero não é doença nem causa de incapacidade


Outro ponto central: a transgeneridade não é patologia, conforme reconhecido pela CID-11 da Organização Mundial da Saúde, que deixou de tratar a condição como transtorno mental.


Por isso:


  • não cabe reforma compulsória baseada nessa condição;

  • não há incapacidade presumida;

  • não existe fundamento fático ou legal para afastar o militar trans do serviço ativo com base em sua identidade.


A Lei 6.880/1980 (Estatuto dos Militares) lista as hipóteses de reforma por invalidez — e nenhuma delas inclui identidade de gênero ou processos de transição.


6. Controle de convencionalidade e dever de alinhamento às normas internacionais


O STJ enfatiza que os atos da Administração Militar precisam obedecer ao controle de convencionalidade. Isso significa:


  • compatibilizar condutas com a Convenção Americana,

  • com a jurisprudência da Corte IDH,

  • e com orientações internacionais de direitos humanos.


A Opinião Consultiva 24/2017 estabelece parâmetros claros sobre a proteção da identidade de gênero, obrigando o Estado brasileiro a garantir tratamento igualitário a pessoas trans no serviço público — incluindo as Forças Armadas.


7. As teses fixadas pelo STJ (IAC 20)


O Tribunal consolidou a seguinte tese, com força vinculante:


No âmbito das Forças Armadas:


(a) é devido o uso do nome social e a atualização dos assentamentos funcionais e de todas as comunicações e atos administrativos para refletir a identidade de gênero do militar;

(b) é vedada a reforma ou qualquer forma de desligamento fundada exclusivamente no fato de o militar transgênero ter ingressado por vaga originalmente destinada ao sexo/gênero oposto;

(c) a condição de transgênero ou a transição de gênero não configura incapacidade ou doença, sendo vedada a instauração de processo de reforma compulsória ou de licenciamento ex officio com fundamento exclusivo nessa condição.


8. Conclusão


O julgamento representa uma vitória expressiva para a proteção da dignidade e da igualdade de militares transgêneros. O STJ:


  • alinha o Direito Militar aos padrões constitucionais e internacionais de direitos humanos;

  • impede práticas discriminatórias como reformas compulsórias e desligamentos indevidos;

  • garante o reconhecimento integral da identidade de gênero no ambiente castrense.


É um marco jurisprudencial que fortalece a proteção de minorias e reafirma o compromisso do Judiciário com a inclusão, a isonomia e a efetivação dos direitos fundamentais.

 
 
 

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