Ação Popular e a Tutela de Direitos Transindividuais: Decisão do STJ
- Postulandi Petições
- 20 de ago. de 2024
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A recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) esclareceu que a Ação Popular, ainda que movida por um indivíduo, tem por objetivo a proteção de direitos transindividuais, não se prestando à mera tutela patrimonial dos cofres públicos, à simples contraposição da atividade administrativa ou à defesa de interesses individuais do autor da ação. Este artigo visa explicar essa decisão com clareza, detalhando os fundamentos constitucionais e legais que sustentam tal entendimento.
Fundamentação Constitucional e Infraconstitucional:
A Ação Popular é um direito fundamental garantido pela Constituição Federal de 1988 e regulamentado pela Lei n. 4.717/1965. Conforme dispõe o artigo 5º, LXXIII, da Constituição:
"Art. 5º, LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência."
No plano infraconstitucional, os artigos 1º e 2º da Lei n. 4.717/1965 estabelecem que a Ação Popular pode ser utilizada para invalidar atos lesivos ao patrimônio material e imaterial do Estado, ampliando a participação da sociedade civil no controle das decisões estatais e corrigindo ofensas a direitos ou interesses difusos e coletivos.
Democracia Participativa e Controle Social:
A Ação Popular é um instrumento de efetivação da democracia participativa, conforme preconizado no artigo 1º, parágrafo único, da Constituição, que empodera a sociedade civil para atuar no controle das decisões estatais, especialmente através de medidas judiciais que visem corrigir ofensas a direitos coletivos e difusos. Portanto, é um mecanismo repressivo e jurisdicional para a correção de rumos da Administração Pública, podendo ser acionado por qualquer cidadão em nome da soberania popular.
Jurisprudência e Interpretação do STF:
O Supremo Tribunal Federal (STF) consolidou a compreensão de que o núcleo essencial da Ação Popular não está exclusivamente ligado à proteção material do Estado, mas principalmente ao afastamento de ilegalidades, inclusive sob a perspectiva moral do ato lesivo. Esta interpretação foi fixada no Tema n. 836 (ARE n. 824.781/MT), relator Ministro Dias Toffoli, julgado em 28.8.2015:
"Não é condição para o cabimento da ação popular a demonstração de prejuízo material aos cofres públicos, dado que o art. 5º, LXXIII, da Constituição Federal estabelece que qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular e impugnar, ainda que separadamente, ato lesivo ao patrimônio material, moral, cultural ou histórico do Estado ou de entidade de que ele participe."
Finalidade da Ação Popular:
A Ação Popular não se presta à proteção de interesses particulares do autor. Seu escopo imediato é a defesa de interesses coletivos, cuja preservação beneficia o autor apenas mediatamente como membro do grupo. Não é um instrumento para tutela de interesses predominantemente individuais do autor, nem para contestação do legítimo exercício da atividade administrativa.
Exemplos e Casuística:
A jurisprudência do STJ reflete esse entendimento. Em casos como o REsp 1.870.473-RS, REsp 801.080-RJ, e REsp 36.534-DF, o tribunal reafirmou que a tutela de interesses individuais e particulares por meio de Ação Popular é rechaçada. No caso específico analisado, um Auditor-Fiscal da Receita Federal propôs Ação Popular para anular um acórdão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), o qual reconhecera a decadência dos créditos tributários. A decisão enfatizou que a Ação Popular deve visar à correção de ilegalidades na administração pública, não à mera discordância interpretativa ou interesses pessoais do autor.
Conclusão:
A decisão do STJ esclarece e reforça a natureza da Ação Popular como um instrumento de proteção de direitos transindividuais, alinhado à democracia participativa e ao controle social. Este entendimento assegura que a Ação Popular não seja utilizada indevidamente para interesses particulares ou para simples contestação de atos administrativos legítimos, mas sim para a defesa de direitos coletivos e difusos, contribuindo para a integridade e transparência na administração pública.
Referências:
Constituição Federal de 1988, Art. 5º, LXXIII.
Lei n. 4.717/1965, Arts. 1º e 2º.
Supremo Tribunal Federal, Tema n. 836, ARE n. 824.781/MT.
Superior Tribunal de Justiça, REsp 1.870.473-RS, REsp 801.080-RJ, REsp 36.534-DF.
REsp 1.608.161-RS, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 6/8/2024, DJe 9/8/2024.

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